Já parou pra pensar como a vida acelerou a ponto de “ter tempo” soar quase nostálgico?
Mesmo nossos avós, que enfrentavam rotinas duras, lembram dos fins de tarde sentados na calçada. Hoje, cada minuto precisa virar resultado, cada ação precisa render métricas. O silêncio virou artigo de luxo — e, quando aparece, logo é preenchido por uma notificação.
Eu vivo essa tensão todos os dias. Acordo antes do sol pra nadar, sou preceptor na universidade de medicina da UNISINOS, plantonista no Hospital Conceição aqui em Porto Alegre, corro entre plantões, por vezes treino de novo quando a cidade adormece e anseio para descansar do ladinho da Rafa. Amo cada pedaço desse mosaico, mas sei o quanto essa roda pode virar armadilha se esqueço por que faço tudo isso.
A pressa que nos rouba o agora
Com todas as telas acesas, cada minuto ganhou etiqueta de projetar, postar, produzir. O problema é que um corpo que só corre entra em modo de sobrevivência. O eixo HPA (hipotálamo‑hipófise‑adrenal) dispara cortisol, eleva a frequência cardíaca, turva o pensamento. O cérebro troca planejamento por urgência: é como dirigir à noite com os faróis queimados — aceleramos, mas não enxergamos para onde vamos.
O que a ciência chama de florescer
O filósofo Aristóteles chamava de eudaimonia: viver bem vivendo com virtude.
Mais de dois mil anos depois, o epidemiologista de Harvard Tyler VanderWeele revisitou décadas de dados longitudinais e mostrou que saúde verdadeira é um pentagrama, não uma nota isolada. Ele propôs cinco domínios que, juntos, definem flourishing:
Saúde física e mental
Felicidade e satisfação com a vida
Sentido e propósito
Virtude e caráter
Relações sociais profundas
Participar de uma comunidade (familiar, religiosa ou esportiva) pode reduzir em até 30 % o risco de depressão e aumentar a expectativa de vida; cultivar propósito robusto se associa a menor taxa de infarto e melhor imunidade. Quando negligenciamos esses pilares, o corpo grita em sintomas difusos: fadiga, irritabilidade, falhas de memória, cinza existencial. Não é “fraqueza”; é biologia subnutrida de significado.
“A satisfação com a vida ou o bem‑estar psicológico não capturam tudo o que normalmente compreendemos como florescer.” — VanderWeele, 2017
Minhas linhas de tensão
Treino, consultório, plantão, universidade, conteúdo: o campo da performance ficou fértil; já os campos da convivência e da contemplação ganharam ervas daninhas. Não é à toa que, em semanas de plantão seguido, surgem as sombras — a dúvida se estou perdendo momentos que não voltam, o medo de virar máquina. Esse é o custo fisiológico de ignorar metade do que nos faz humanos.
O florescimento como antídoto
Dan Koe chama de vício em ocupação; VanderWeele mede em estudos; Aristóteles corrige com virtude. Todos apontam para o mesmo farol: habitar o presente com intenção.
Quando equilibramos os cinco domínios, o eixo HPA silencia, a neuroplasticidade floresce, o sistema imune descansa. O corpo entende que não há incêndio — e a mente volta a sonhar com manhãs que ainda não existem.
Florescer, na prática, é lembrar que:
A pausa também é ação.
O descanso também é estratégia.
O silêncio também é resposta.
A presença também é produtividade.
E, sobretudo, lembrar que tu não és máquina. És humano. Ser humano exige perceber, sentir, escolher.
COMO COMEÇAR A FLORESCER NA PRÁTICA
(Escolhe dois ou três itens para esta semana; depois ajusta o ritmo.)
Micro‑ritual de chegada – Antes de ligar o computador, respira fundo três vezes e pergunta: o que é essencial hoje?
Ensaio de gratidão tátil – Toda noite, anota à mão 3 momentos bons do dia. Papel, não tela.
Almoço sem algoritmo – 20 minutos de comida sem celular. Cheira, mastiga, sente.
Encontro de verdade – Liga para alguém querido e fala sem roteiro por 5 minutos. Afeto reduz IL‑6 e CRP, marcadores de inflamação.
Movimento com prazer – 30 minutos de caminhada ou pedal leve. Circula sangue, libera BDNF, limpa a mente.
Leitura que nutre – 10 páginas de algo que expanda caráter: filosofia, biografia, poesia.
Domingo offline parcial – Escolhe uma janela de 4 h sem internet. Observa como o tempo se estica.
Florescer não é chegar; é cultivar.
Menos pressa, mais presença.
Menos desempenho, mais essência.
Se te sentes perdido nesse turbilhão, talvez teu corpo e tua mente estejam pedindo um pequeno gesto de humanidade. Faz o pacto: menos pressa, mais espaço para viver.
Nos vemos na próxima carta — quem sabe, menos acelerados. 🌱
⁃ Augusto